Jorge Farjalla volta a cena teatral paulistana com um novo ‘Nelson Rodrigues‘. Após a montagem de “Dorotéia“, que ficou em cartaz por dois anos, “Senhora dos Afogados”abre as cortinas do Teatro Porto Seguro, nesta sexta, 23 de fevereiro.
A montagem surgiu numa festa de aniversário da atriz Letícia Birheuer, que pediu ao diretor que a desconstruísse numa peça teatral. Foi quando surgiu a ideia de montar o texto de 1947. Letícia vive seu primeiro papel masculino: Paulo, filho do clã Drummond.
Os Drummond são uma família tradicional de três séculos, com mulheres que valorizam a fidelidade conjugal. Moema, a filha mais velha de Misael e D. Eduarda, guarda um amor pelo pai e resolve afogar suas irmãs mais novas, Clarinha e Dora, no mar para não dividir a atenção dele com elas.
A peça começa com a família chorando pela morte de Clarinha. Simultaneamente, as prostitutas do cais do porto, em homenagem a uma ex-colega que foi assassinada há 19 anos, deixam de trabalhar.
Dona Eduarda e Moema, além do irmão, Paulo, se digladiam em torno da questão do pudor e da honra da mulher, hostilizando-se devido a um ódio primordial. Para viver só com seu pai, Moema monta um plano para que a mãe o traia com o próprio noivo, um ex-oficial da marinha.
Traição, famílias desfeitas, reviravoltas e morte. Todos os ingredientes de uma tragédia grega, bem como de um texto rodriguiano. “Senhora dos Afogados” se assemelha a “Electra Enlutada“, de Eugene Oneill (1931) e “Orestíada” de Ésquilo.
Há a presença do ‘coro grego‘ – personagens que comentam com uma voz coletiva a ação dramática que está a decorrer. Todos atores, além de seus personagens, interpretam o coro, seja dos vizinhos dos Drummonds, seja das prostitutas do local.
Farjalla trabalhou a montagem como um texto mítico, onde há uma linha bem tênue dividindo o sagrado do profano. A ação da peça foi transposta das ruas do Rio de Janeiro para um manguezal recifense, cidade natal de Nelson Rodrigues. Os personagens estão todos sujos de lama deste mangue, como se mostrando que não há ninguém limpo, sem um pecado.
Esta nova montagem de “Senhora dos Afogados” é cheia de simbologia, tanto que o último – e mais importante personagem – é o farol do porto. Uma construção que relembra o passado, marca o presente e ilumina o futuro. Mas como em toda tragédia – qual futuro?